terça-feira, junho 20, 2006

Uma Arte Que Não É Arte


Por Kildare Rios
Foto Pesquisada
Tudo bem que a chamada Indústria Cultural nos ensinou que a arte pode e deve ser um produto, já que ela precisa ser divulgada e seu autor precisa ganhar dinheiro, se sustentar, para manter viva a chama de fazer arte. Mas desde os anos setenta que esta idéia está sendo levada muito a sério. A música que se faz de lá para cá é geralmente encomendada por um cartel de gravadoras que se unem para fazer moda e ditar tendências. Tudo isso em comum acordo com o resto da mídia, televisiva, radiofônica e imprensa escrita.
Quem tem mais de quarenta anos deve se lembrar de como tudo isso começou. Eu, por exemplo, me lembro de uma tendência lançada na novela das oito que dizia que, se o bom mesmo é música internacional, vamos nós mesmos fazer a nossa música internacional. Daí vieram vários artistas que, mesmo sem saber falar inglês, começaram a cantar músicas compostas especialmente para esta moda. Tivemos o Fábio Júnior, que se chamava Mark Davis, o saudoso cantor Jessé, que se chamava Tony Stevens, o Christian, da dupla Christian e Ralf, que se chamava Christian mesmo, e até o Maurício Alberto, que se rebatizou de Morris Albert e conseguiu que uma de suas músicas fosse gravada até pelo lendário Frank Sinatra. Todas essas letras, com exceção de Feelings, tinham gramática, ortografia e semântica inglesas no mínimo duvidosas.
Depois que essa onda passou, as gravadoras aproveitaram os embalos de sábado à noite para lançar, junto com a novela Dancing Days, a nova moda, que também teve tupiniquim cantando em inglês: a discoteque. Luzes estroboscópicas, globos de luzes, meias com lantejoulas, sirenes tocando, e uma batida tipo bate-estaca produzida por uma bateria eletrônica que ensurdecia até o mais saudável ouvido humano, eram agora associados aos meios de comunicação para tocar em todos os lugares e vender milhares de LPs. E tome Miss Lene, Lady Zu, Santa Esmeralda, Bee Gees, John Travolta, entre outros. O lado bom da história é que, mesmo sendo uma arte fabricada, de vez em quando os frutos são positivos, como se pode ver no caso de Morris Albert e dos australianos Bee Gees.
Mas muito ainda se estava por vir. Não é que, depois dessa onda, o rock nacional conseguiu abrir uma exceção às músicas fabricadas e lançou bandas e cantores que já estavam batalhando havia muito tempo e tinham um teor artístico muito aguçado? Não que se seja contra que alguém faça sucesso da noite para o dia, mas a legitimidade de quem ganha experiência depois de anos e anos de estrada, nos dá uma confiança maior na qualidade do resultado final. Depois do grupo A Cor do Som, a banda Blitz estourou nas paradas de sucesso com seu rock teatral e seu jeito irreverente comportadinho. Logo seguidos pelo Barão Vermelho, uma reedição dos Rolling Stones no Brasil, vieram os brasilienses Legião Urbana, com letras trabalhadas e músicas simples, seguidos pelo Capital Inicial. Depois a explosão do RPM que chegou à incrível marca de dois milhões e meio de cópias vendidas do seu Rádio Pirata Ao Vivo. Esse foi um dos últimos suspiros dessa leva que conseguiu imortalizar muito poucos, como os poetas Cazuza e Renato Russo.
Esse surto de boa música, honesta e consciente, acabou antes do final da década de oitenta. Mas não esqueçam que nem tudo eram flores naqueles dias. Tivemos que ouvir muita Xuxa com seus ilariês antes da nova onda ser lançada pelas gravadoras: a lambada. Vendida como mais um ritmo musical, uma tendência, a lambada nada mais era do que uma dança, que consistia em rodar a saia da menina para aparecer uma calcinha minúscula. Foi aí que os programas das tardes de domingo faturaram horrores e conseqüentemente, começaram uma guerra entre eles, mostrando até crianças dançando e mostrando as nádegas. A lambada era o prenúncio que o pior estava por vir.
Comendo pelas beiradas estavam os auto-intitulados sertanejos, que nada mais eram (são!) do que breganejos. Músicas bregas, boleros e canções, cantadas a duas vozes- geralmente uma delas esganiçada - e com acompanhamento, geralmente, muito competente, comprado pelos milhões faturados pelas duplas. Porém, bem longe das beiradas já estavam os pagodeiros. Não se sabe ao certo o por quê de se colocar o nome dos templos budistas nesse samba canção inventado nos morros do Rio de Janeiro. Esta é uma tendência que veio pra ficar, graças à força cultural daquela cidade.
Estamos agora na década de noventa. Como conseqüência daquela idéia da lambada, resolveu-se dar mais audiência às televisões nas tardes de domingo, mostrando um ritmo que é ladeado por uma coisa mais importante do que a música em si: os traseiros enormes das baianas. Mais uma vez as tardes de domingo, quando a família se reúne em frente da televisão, são invadidas por uma seqüência competitiva de grupos baianos que só trazem percussão e pessoas sem talento, rodeados de mulheres em trajes mínimos. O mais engraçado é que esta nova “tendência” não vendeu muitos discos, mas vendeu muito mais revistas masculinas. Não vamos comentar as letras das músicas, por que os erros de português e os excessos de vogais nos impedem de tecer qualquer crítica. Mas o pior ainda estava por vir.
Depois de um pequeno surto do funk - logo abafado pela imprensa que associou o movimento ao tráfico e ao consumo de drogas - a nova onda da segunda metade da década dos anos 2000 é o forró. Mais uma vez um ritmo, originalmente o baião e o xote, e agora não se sabe bem o quê, foi rebatizado com o nome da sua dança. O forró que se fazia na época de Luiz Gonzaga e Dominguinhos agora foi rebatizado de Pé de Serra, pois o nome forró agora pertence a uma nova oligarquia, que arregimenta rádios e mais rádios das capitais e do interior, que entram em cadeia com pequenas redes de televisão, para divulgar bandas sem identidade e sem ideologia, que fazem um som apenas dançante, com letras apelativas e sem sentido. O pastel nunca foi tão ruim e tão barato.
Depois de tantas armações das grandes e pequenas gravadoras com a mídia, que nos empurra arte de consumo imediato, esqueceu-se da original função dela, que é fazer bem aos sentidos e se incorporar à cultura, porém de uma maneira benéfica, preservando o que há de bom e inovando com boas idéias. Era assim desde os clássicos e está deixando de ser desde a implantação da chamada Indústria Cultural, que raramente tem o dom de reunir qualidade e produção artística.

segunda-feira, junho 19, 2006

Centro Cultural da Praia


Por Kildare Rios e Marília Magalhães
Foto Marília Magalhães

HISTÓRIA
A história da Vila Morena, primeira construção da orla de Fortaleza, começou em 1920, quando o pernambucano José de Magalhães Porto desafiou os conselhos de amigos, que alertavam que a praia era perigosa e suas ondas eram muito fortes, instalando ali a sua moradia e dedicando o nome dela, como era usual na época, à sua amada esposa Francisca Frota Porto, de apelido Morena. Foi o próprio José de Magalhães que ajudou o antigo Porto das Jangadas, que depois se chamaria Praia dos Peixes, a se chamar Praia de Iracema, bem como influenciou para que as ruas próximas à Vila tivessem seus nomes inspirados em tribos indígenas do Ceará.
A edificação da Vila foi feita em taipa, sem ajuda de engenheiros, e ali foram empregados materiais nobre, importados da Europa, como as vidraças das portas que vieram da França, as duas escadas caracol de ferro, fabricadas na Inglaterra e os vasos sanitários e louças oriundos da Alemanha. Além do luxo interior, o Coronel Zé Porto caprichava nos jardins de plantas raras, onde tinha prazer em receber amigos e parentes, além de povoar o espaço externo com pavões, araras, jacamins e guarás brancas, tudo isso ao redor de uma linda piscina, sem dúvida a primeira da cidade.
O marido de dona Francisca também teve grande influência no surgimento do bairro naquele lugar ermo, trazendo linhas de bonde, calçamentos e eletricidade. Ele que teria trazido à cidade o costume antes ignorado de tomar “banho de mar”, alugando calções de banho e as sete casinhas de veraneio que construíra em frente à Vila Morena.

O CLUBE USO
Durante a Segunda Guerra Mundial a família Porto saiu da Vila Morena, deslocando-se para uma outra casa ao lado e cedendo aquele espaço para o “United State Office”, que usou o local como clube de veraneio para seus soldados. Conta-se que vários artistas famosos de Hollywood vinham fazer shows ali, para entreter os soldados, dentre eles a dupla Nelson Eddy e Ilona Massey do filme Balalaika.
Foi nos arredores do USO que surgiu o termo “garota coca-cola”, para denominar as moças mais atiradas da época, que se encantavam com os soldados norte-americanos que lhes ofereciam o refrigerante ainda não conhecido por aqui, afirma Eridan Matos, funcionária da Prefeitura Municipal de Fortaleza (PMF), deslocada para atuar junto ao Centro Cultural da Praia, que funciona nas dependências da antiga Vila Morena. Ela afirma que “as garotas passavam por aqui e achavam os rapazes bonitos, e eles, para atraí-las, lhes ofereciam Coca-Cola, refrigerante que elas ainda não conheciam”.

O ESTORIL
Terminada a guerra, o exército norte-americano devolveu à sociedade cearense o prédio da Vila Morena. Foi quando ali foi inaugurado o restaurante Estoril, por um casal de portugueses que resolveu investir na capital cearense. Reduto de intelectuais e artistas, ponto de encontros proibidos, românticos ou políticos, o bar Estoril chegou ao clímax quando trouxe a “escandalosa” Luz Del Fuego, que fez o único show vestida de sua história, por exigência do arcebispado de Fortaleza. Sempre comandado pelo cearense Zé Pequeno, o bar e restaurante teve atividade por mais de quarenta anos, quando foi sendo abandonado por seus antigos freqüentadores, que foram morrendo ou deixando a vida boêmia de lado. “Eu me lembro bem de vários freqüentadores, mas quase todos faleceram: Rogaciano Leite Filho, Thmoskhenko - que foi preso na revolução de 64 - Cristiano Câmara, Airton Monte, e eu acho que o Blanchard Girão também freqüentava”, afirma o historiador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, que ainda lembra que “...a casa toda era de taipa. Foi quando ruiu... deixaram cair para reconstruir.”

O CENTRO CULTURAL
Hoje fazem 11 anos que o prédio da Vila Morena foi reinaugurado, depois de uma reforma que foi, na verdade, uma restauração, visto que a torre ruiu por conta do abandono a que o prédio fora submetido. “Em 1995 o prédio estava em ruínas e a prefeitura de Fortaleza o recuperou, acompanhando o mesmo estilo arquitetônico. Recuperou o prédio e montou aqui o Centro Cultural da Praia”, afirma ainda Eridan Matos. Porém o Centro Cultural da Praia teve pouco tempo de atividade plena: “Aqui antigamente, entre 1995 e 1998, mais ou menos, tinha muitos lançamentos de livros, cursos de artes plásticas e música. Às quartas feiras vinha um grupo de poetas, repentistas (...) No momento só a galeria está em atividade, mas os cursos estão suspensos. Também é emprestado o espaço, por exemplo, para o Jornal O Povo, para os ensaios do coral do jornal, quando é solicitado”, acrescenta Eridan.
O Centro Cultural da Praia, porém, faz parte de um projeto da PMF que pretende reformar treze espaços históricos e devolvê-los como presentes à cidade de Fortaleza, evento que integra as comemorações de 280 anos da cidade. Dentre eles, a estátua de Iracema da Avenida Beira Mar, que já foi entregue, dia 28 de março, além da caixa d’água do artista plástico Leonilson, na Praia de Iracema; estátua de Iracema de Zenon Barreto, na Praia de Iracema; anfiteatro da Volta da Jurema; Passeio Público; Praça do Liceu; Zoológico Sargento Prata; estátuas da Padaria Espiritual, na Praça do Ferreira (Café Java); Clube de Regatas da Barra do Ceará (onde será construído o primeiro CUCA – Centro Urbano de Cultura, Arte, Ciência e Esporte); Estádio Presidente Vargas; Bar Avião; Paço Municipal e Centro Cultural da Praia, o Estoril.

SERVIÇO
O Centro Cultural da Praia, Estoril, funciona na Rua dos Tabajaras, 406, Praia de Iracema, das 8 às 21 horas, de domingo a domingo, com exposições de artes plásticas. Entrada Franca.